Como já o fazia Salazar - nós levamos o vinho muito a sério. Reflexo desse espírito, não costumamos descurar a ocasião do brinde. Mas, nos dias liberais que correm, reduziu-se ao mínimo as condições para que um brinde seja efectivamente um brinde - espera-se que os copos dos brindantes tenham líquido, que toquem entre eles, e que deles seja sorvido algum conteúdo antes de se pousar novamente o copo na mesa. Em tempos passados, este ritual seria concerteza mais elaborado, conforme as ocasiões e meios onde de se celebrasse. Mas hoje-em-dia, reunidas as três condicionantes descritas, o brinde é eficaz e benigno.
Das primeiras vezes que participei num brinde nas terras do Norte, cometi uma gaffe. Era uma ocasião com um número razoável de comensais, talvez oito. A princípio, tudo se parecia com o nosso ritual...copos em punho foram projectados para a zona do centro-de-mesa, entre uma palavra proferida em coro (que me soou demasiado afrancesada). Após alguns dos copos se terem tocado confusamente, eu retirei o meu e aproximei-o dos lábios para disfrutar daquele néctar (Riesling, se a memória não me falha). Acto contínuo, soaram vozes e intejeições de protesto por parte dos outros comensais que me paralisaram no gesto sorvedor. Olhei em redor, espantado. O que teria corrido mal?
Os alemães seguem escrupulosamente três regras quando brindam. E gostam de dizer que se alguém quebrar qualquer uma dessas regras, esse infeliz terá sete anos de "sexo mau". Esta maldição merecia só por si uma análise mais profunda...o que é propriamente sexo mau? Naturalmente que homens e mulheres, gays e "straights" terão ideias diferentes do que poderá ser sexo mau, aliás, penso que toda e qualquer pessoa adulta neste planeta imaginará coisas diversas quando confrontada com esta anti-fantasia de sete anos de sexo mau. Bom, adiante...afinal quais as regras do brinde?
1. Cada brindante terá de tocar com o seu copo nos copos de todos os outros brindantes. À priori, isto poderá parecer linear, mas se imaginarem uma mesa de oito pessoas ou mais, a situação complica.
2. No momento exacto em que os copos dos brindantes se tocam, estes terão de se olhar olhos nos olhos.
3. Os braços dos brindantes não se poderão cruzar (no plano horizontal) enquanto estes projectam os copos.
Voltando à noite do riesling, os meus amigos insistiram que eu cumprisse estas regras antes de beber. Contra-feito voltei a projectar o meu copo, que fez "tlim" com outros sete copos, cujos donos foram olhados nos olhos um por um, evitando o cruzamento de braços. Lembro-me que tudo isto demorou alguns minutos (escusados, na minha opinião) e que, quando finalmente levei o néctar à goela, bebi-o de um só trago, dado o incremento da sede produzido pelo exercício físico.
Satisfeitos os meus comensais com o brinde eficaz, perguntei-lhes se faziam isto sempre, mesmo em situações de mesas com doze ou vinte pessoas. Garantiram-me que sim.
Saturday, October 25, 2008
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4 comments:
Fiz Eramus na Eslováquia e lá aprendi a brindar assim, exactamente como descreveste! Desde entao, quando estou a brindar, mesmo nao havendo eslovacos, dou por mim a olhar nos olhos das pessoas :)
bom...como pessoa viajada, podes optar por emalar as subtilezas que te são mais agradáveis. e o ano de erasmus marca sempre.
pessoalmente, lido mal com a história dos olhos-nos-olhos no momento do brinde, a não ser em contextos especiais...por isso, tenho tendência a esconder-me por de trás do copo e espreitar apenas de um lado...se fosse supersticioso, diria que os 7 anos de mau sexo ficariam assim mitigados para, talvez, sete anos de sexo assim assim, e com isso me contentaria, como no fundo me contento ;)
Nao foi pela supersticao que me "obriguei" a aprender a cena dos olhos-nos-olhos, foi por "respeito" a quem brindava, pois nao acredito que alguém tenha mau sexo durante 7 anos por fixar um copo em vez de olhos :)
Mas vai-se lá entender certos pormenores de certas culturas...
ah...sim, também por respeito aos costumes locais brindei assim e, claro, aprendi muitas outras coisas noutros sítios. Enquanto os costumes forem deste género, inofensivos e divertidos até...porque não? aqui em portugal, talvez por brindarmos menos ou por bebermos mais, teremos outros costumes...e acho que a maioria dos alemães também os acha interessantes...
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