Thursday, June 05, 2008

Romance Indiático

A
"Tenho Três Pardaus"

Tenho três pardaus
E mais quatro tangas
Tenho cinco mangas
E quatro cajus;
Tenho dois baús
Lavrados de oiro;
Tenho um singidoiro
Que passa das marcas;
Tenho umas alparcas
Que ajustam nos pés.
Tenho uns sintonés
Tudo em bazarucos;
Tenho uns pantufos
Lavrados de tela,
Tenho uma sousela
De tirar ouções.
Tenho dois capões
Lá no meu quintal;
Tenho um didal
Feito em Mangalor,
Tenho um furador
De boa feição,
Tenho um quimão
De branco e vermelho;
Tenho um espelho
Feito em Portugal.
Tenho de cristal
Uma rica peça
Tenho de cabeça
Um prego galante,
Tenho um diamante
Lavrado nas pontas.
Tenho umas contas
De peixe-mulher,
Tenho uma colher
Feita em Angola.
Tenho uma viola
De tanger suave.
Tenho uma chave
Que abre e não fecha
Tenho uma flecha
Para os passarinhos;
Tenho cachorrinhos
Brancos de Manilha;
Tenho beatilha
Fina de Chaúl.
Tenho um baúl
De rico feitio;
Tenho um assobio
Que outro não há;
Tenho um alva
Que vem de Mascate;
Tenho um chiricate
De coser arecas;
Tenho de marrecas
Redes e armadilhas
Tenho umas pastilhas
De suave cheiro
Tenho um tabuleiro
De China dourado;
Tenho um cadeado
Que abre de pancada,
Tenho marmelada
Que vem de Ormuz;
Tenho um arcabuz
De matar pardais,
Tenho uns corais
De rica valia;
Tenho uma bacia
De assar pastéis.
Tenho uns anéis
De ouro stambaca;
Tenho de Malaca
Mui ricas atacas,
Tenho três patacas
Na minha gaveta,
Tenho uma boceta
Cheia de brinquinhos
Tudo para vós
Se quereis bem de mim.

in Romance Indiático, Fls. 125, Ms. 133 da Colecção Pombalina da BNL (ca. 1650)

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