Monday, December 10, 2007

à deriva...

"Mas, acima de tudo, a língua Portuguesa foi profundamente moldada pelo estilo de vida dos Portugueses, marcada pelo mar e pelas navegações, a cada passo, todo nós [...] falamos sem o saber [...] uma língua de bordo.
[...]
Aqueles a quem sorri a fortuna próspera 'vão de vento em popa'. Marcham triunfantes na vida? 'Seguem a todo o pano'. Aceleram a marcha? 'Vão de rota batida'. Guiados por bom caminho por algum anjo protector? 'Têm bom piloto'. E, quando escapam de algum perigo iminente, acolhem-se, como Cabral, a 'porto seguro'. Alguns há menos conscientes de si e por isso 'navegam na esteira dos outros'; e assim como os barcos que vão rebocados, isto é, 'à toa', assim eles vão 'à toa', e, por isso, procedem 'à toa'.
Se os lerdos 'vão na corrente', os mais ladinos e ágeis 'sabem singrar', 'aproveitar a maré' ou 'navegar conforme os ventos'. Mas como a fortuna é vária, quando as dificuldades crescem, o homem 'perde o norte', ou a 'tramontana'. Obstina-se contra eles a desgraça? Levam a 'borda debaixo de água' ou 'estão debaixo do temporal'.
[...]
Até para significar a a nálise ou pintura do próximo se emprega a linguagem náutica. Assim como o navegante deixa cair a sonda para explorar o fundo junto à costa, 'sonda-se' alguém e, se a experiência revelou pessoa de bom natural, diz-se dela que 'tem bom fundo'.
Homem feliz, 'voga num mar de bonança'; negócio que se perde, 'foi-se à vela'; e, tal como se arma a nau e a frota, assim se 'arma uma desordem', um 'reboliço' ou uma 'conjura'. A mesma sabedoria popular, quando incita o tardo à diligência, diz: 'barco parado não faz viagem'; ou se à prudência e revisão: 'quem vai para o mar, aparelha-se em terra'; tanto mais que a experiência ensina: 'grande nau, grande tormenta'. O cauto, por sua vez, 'não mete prego sem estopa' e até, às vezes, faz 'marcha à ré'."

Jaime Cortesão, Os Descobrimentos Portugueses, 1958.

2 comments:

Anonymous said...

muito interessante! e tantas mais usamos no nosso dia à dia. Eu gosto particularmente quando se diz de algo ou de alguém que é o cabo das tormentas.

AC said...

Pois é moço, criei espaço no egocentrico universo.